Jogamos

Análise: ReCore (XBO/PC) é divertido, apesar de suas falhas

A nova aposta da Microsoft agrega vários fundamentos do início da era 3D e os trazem para a geração atual.




ReCore é daqueles jogos difíceis de apreciar sem constantemente lembrar de outros jogos que vieram antes. Durante meu tempo com ele, lembrei de Mega Man X e Metroid Prime, que são os análogos mais óbvios devido ao pedigree do game — ReCore foi desenvolvido pela Comcept, empresa de Keiji Inafune, em parceria com a Armature, composta de ex-integrantes da Retro Studios. Mas também lembrei de Ratchet & Clank, Super Mario 64, Banjo-Kazooie, Borderlands, Destiny e até Mighty No. 9. O projeto da Comcept e da Armature remete, principalmente, a jogos de plataforma 3D da quinta e da sexta gerações, agregando elementos mais modernos e alguns originais para formar uma experiência digna de 2016.

ReCore é um jogo de plataforma em 3D, um gênero que, com a exceção de Mario, está essencialmente morto desde o advento do PS3 e do Xbox 360. ReCore também é um jogo de tiro em terceira pessoa, mas com a ênfase em desviar de ataques inimigos ao invés de mirar corretamente. ReCore é, ainda, um jogo de exploração em mundo aberto, repleto de dungeons e colecionáveis para serem encontrados em seu mapa. Finalmente, ReCore é um RPG, pois suas armas, aliados e inimigos têm atributos baseados nos seus níveis e pontoa de experiência são adquiridos por explorar e vencer em combate. Essa mistura de gêneros não é novidade — parece, inclusive, ter se tornado uma convenção em jogos modernos —, mas em ReCore toma um aspecto curioso, porque muitas vezes esses gêneros entram em conflito entre si em vez de colaborarem para formar uma experiência coesa.

O início de ReCore é razoavelmente linear — objetivos são mostrados claramente para o jogador poder aprender o básico e ser apresentado a nossos protagonistas: a jovem Joule e o cachorro mecânico Mack. Eles habitam o planeta Far Eden, que foi escolhido para ser colonizado por humanos devido à sua proximidade com a Terra e potencial habitalidade. Para tornar-se amigável a humanos, uma expedição apenas com robôs foi enviada para iniciar o processo de terraplanagem do planeta, seguido por outra com alguns humanos para continuar o procedimento antes que a colonização de fato começasse. No entanto, algo deu errado e Joule permaneceu no estado de hibernação por muito mais tempo do que deveria. Durante esse período, robôs foram corrompidos por uma força misteriosa e começaram a tomar o controle de Far Eden.
Far Eden é grande, mas não demasiadamente.
A história é um ponto alto do jogo. Ela não faz nada extraordinário, mas a colonização extraterrestre e o conflito humanos vs. robôs (neste ponto, lembrei de filmes como O Exterminador do Futuro e Planeta dos Macacos) são interessantes por si só. Joule é uma personagem agradável e dublada bem tanto em inglês quanto em português. Seus companheiros robóticos, primeiramente Mack e depois Seth e Duncan, são carismáticos com personalidades claramente distintas — apesar de que Mack sempre recebe mais atenção que os outros.

Após completar a primeira dungeon, o jogador deve explorar o mapa para encontrar Prismatic Cores, que são os principais colecionáveis do jogo. Além de serem objetivos por conta própria, para explorar novas dungeons é necessário ter um número mínimo desses objetos. Essas barreiras me lembram das portas especiais de Super Mario 64, que requeriam estrelas para serem abertas. A mecânica tem dois propósitos: primeiro, incentivar que a parte "exploração em mundo aberto" do jogo não fique completamente secundária às outras; e segundo, garantir que o jogador esteja desenvolvido o suficiente na parte "RPG" para poder enfrentar os desafios contidos no local.

No começo do jogo, gostei do incentivo para explorar o mundo e encontrar novas Cores, pois vários dos desafios presentes são legitimamente divertidos (apesar de que alguns requerem poderes específicos e tive que deixá-los para depois após tentativas frustradas). Mais tarde, quando uma mesma dungeon têm várias barreiras internas, isso torna-se claramente uma tentativa de estender artificialmente a duração do jogo. Achei aceitável chegar a um ponto que dizia "você tem nove Cores, precisa de 15", porque havia pego essas nove naturalmente, sem necessariamente ir atrás. Precisar sequencialmente de 25, 35, etc. Cores para continuar, no entanto, sendo que não há mais como pegar algumas durante o progresso natural da dungeon, começa a ficar problemático.
Bolas e lasers da morte.
Isso torna-se uma tarefa necessária para poder conhecer mais dungeons, porque a maioria delas são realmente legais. Existem várias dungeons opcionais espalhadas pelo mundo — algumas enfatizam a parte "plataforma em 3D", enquanto outras dão ênfase ao "tiro em terceira pessoa" — e as obrigatórias da história são equilibradas nos dois aspectos.

A parte "plataforma em 3D" de ReCore, ao meu ver, é a mais original, acertada e recompensadora. Controlar a Joule é gostoso, com pulos absurdamente altos e um dash, similar ao de Mighty No. 9, graças a seu exoesqueleto. É um tanto incrível o quanto essas seções lembram desafios de Mega Man, mas transpostos para o 3D. Plataformas móveis, lasers, bolas gigantes da morte, barreiras que abrem e fecham, um ou outro inimigo para "apimentar"... Tudo está ali, e o jogo exige precisão espacial e temporal do jogador para superar esses desafios. Diferente de Mega Man, ReCore é um pouco mais generoso com checkpoints — trechos precisam ser jogados novamente em caso de falha, mas não são longos e as vidas são ilimitadas.


O combate me lembrou Ratchet & Clank pela mobilidade, mas também Metroid Prime pelo estilo de mira e opções de tiro. O foco do jogador não deve ficar em acertar os inimigos, já que a mira pode ser travada neles, mas sim em desviar de uma multidão de golpes, projéteis e explosivos ao seu redor enquanto continua causando dano. Inimigos podem ser azuis, vermelhos, amarelos ou uma combinação disso (roxo, verde, laranja), e deve-se trocar a cor da munição do rifle para otimizar seu poder de fogo. Seus amiguinhos robóticos também contribuem; cada um tem sua cor e golpes próprios, então alternar entre eles durante o combate e utilizar seus poderes especiais é uma estratégia importante.

Após algumas horas de jogo, os combates chegam a ser sacanas. Os golpes dos inimigos são razoavelmente telegrafados mas, quando alguns deles, médios ou grandes, ocupam toda a atenção do jogador, então é quase garantido que Joule será acertada por um projétil ou armadilha vindo de trás. Até ela voltar a ser controlável, terá passado tempo o suficiente para levar outros ataques e, como a barra de vida é curta, situações assim geralmente levam à morte da personagem em um ou dois segundos, mesmo que o jogador tenha obtido sucesso evitando dano durante vários minutos.


Apesar de ser, por vezes, forçada, a exploração se mostra divertida. Prismatic Cores são espalhadas pelo mundo; basta encontrar algumas, enquanto outras requerem que o jogador seja desafiado derrotando inimigos antes de serem liberadas. O mundo aberto é repleto de segmentos que são quase como fases distintas, desafiando o jogador para esbanjar sua criatividade com as mecânicas para conseguir alcançar uma Core. O que achei mais curioso é que ReCore permite uma exploração do level design pouco visto em jogos modernos. Várias vezes, vi algo de interesse em um ponto mais alto e, por mais que o jogo parecia exigir o uso de uma habilidade específica, consegui alcançar o objeto simplesmente explorando pedras próximas até achar um ponto de onde eu conseguia pular e escalar. Mesmo após tentar por alguns minutos, eu insistia em tentar fazer as coisas do "jeito errado" só para testar os limites das habilidades minhas e da Joule.

Considerando tudo o que foi dito acima, não parece ter muitos motivos pelo qual ReCore não seja um jogo bom. De fato, as partes centrais do game são boas ou ótimas, mas, infelizmente, foram em vários aspectos secundários que a Comcept e a Armature pisaram na bola. O mais notável são as insuportavelmente demoradas telas de loading. Mudar de área, fazer fast travel ou morrer em combate punem o jogador com mais de um minuto de espera (curiosamente, morrer caindo em um buraco não gera loading). O pior é que algumas decisões de design tomadas diretamente causam o aumento do número de loadings necessários.

A equipe de Joule é composta de Mack, Seth e Duncan, mas só é possível ter dois deles de cada vez. Adicionalmente, há mais corpos robóticos que podem receber os núcleos dos companheiros. Como cada corpo tem uma habilidade própria necessária para explorar alguns locais, algumas vezes será necessário voltar à sua base (ou seja, mais um loading), equipar um desses corpos, e garantir que os robôs certos estejam na sua equipe. Além disso, é possível dar fast travel de qualquer lugar para a sua base, e da sua base para qualquer ponto já descoberto. Então, por que é necessário voltar à base em vez de ir direto para o local desejado? Simplesmente um loading desnecessário a mais.
Esta captura é do jogo no Xbox One...
ReCore é o primeiro jogo da campanha Xbox Play Anywhere da Microsoft. Ou seja, a cópia digital do jogo garante acesso tanto no Xbox One quanto em PCs rodando Windows 10. Para a análise, joguei em ambas plataformas, desfrutando do cross-save que funcionou geralmente bem. No PC, naturalmente, há opções gráficas adicionais e é possível rodá-lo com resolução e taxas de quadro mais altas do que no Xbox. Em algumas seções de combate mais desafiadoras, fiz questão de jogar no PC porque, com o jogo instalado em um SSD, os loadings eram mais suportáveis. Falarei mais dessa funcionalidade em um texto futuro.
... e esta é no PC, em configurações médias.
Como um todo, ReCore é um título repleto de boas ideias (mesmo que algumas delas sejam derivadas diretamente de outros jogos). Quando ele funciona, é divertidíssimo, mesmo que desafiador. No entanto, problemas técnicos e de design acabam impactando a experiência negativamente. Explorar o mundo para encontrar objetos deveria ser algo agradável, mas, ao se tornar obrigatório, passa a ser apenas uma tarefa a ser realizada mecanicamente para poder continuar progredindo na campanha principal. Eu queria muito poder dizer que adorei jogar ReCore, mas, infelizmente, esses defeitos, por mais que secundários, fazem com que se torne difícil amá-lo.

Prós

  • Jogabilidade e controles fluídos e gostosos;
  • Seções de plataforma únicas em 3D;
  • Mundo divertido de explorar.

Contras

  • Telas de loading insuportavelmente longas;
  • Decisões de design que servem apenas para aumentar a quantidade de loadings;
  • Barreiras artificiais ao progresso natural do jogador;
  • Seções de combate podem ser irritantes por causa de mortes rápidas e pouco previsíveis.
ReCore — XBO/PC (Windows 10) — Nota: 7.0
Plataformas usadas para análise: Xbox One e PC
Revisão: Jaime Ninice 

Quando não está ocupado sendo diretor, redator, newsposter, podcaster e RP do Xbox Blast, Renan Greca gosta de jogar videogames. Às vezes, lembra de focar em seu mestrado também.

Comentários

Google
Disqus
Facebook