Não há como negar: a Microsoft não agrada o público
oriental. Apesar do sucesso estrondoso da marca Xbox no ocidente, a gigante dos
computadores mal consegue vender algumas poucas milhões de unidades de seus consoles na
terra do sol nascente. Mas isso não quer dizer que ela nunca tenha tentado. Em
meados de 2005, a Mistwalker, desenvolvedora que abriga ninguém menos que
Hironobu Sakaguchi, mente responsável pela franquia Final Fantasy, anunciou seu
primeiro jogo: Blue Dragon. O título seria lançado exclusivamente para o Xbox
360, que ainda não estava disponível no mercado, e viria com a missão de fazer o console
emplacar no Japão graças à popularidade dos RPGs no local e a fama de
Sakaguchi. Apesar dos esforços e das vendas relativamente altas, o jogo não
conseguiu popularizar o console da Microsoft, que, ao longo da geração passada, continuou tendo que se virar com seu
cativo público ocidental. Mas todo esse esforço não foi em vão, já que os jogadores
foram presenteados com um jogo muito competente, nostálgico e divertido.
A maldição da nuvem roxa
Blue Dragon se passa em um mundo que já fora próspero e
pacífico, daqueles que qualquer um sonharia em viver. Pequenos vilarejos eram cercados de árvores, rios e montanhas, e as pessoas viviam em total harmonia, sem
conflitos, guerras ou jogos de poder. Tudo estava muito bem até que algumas
nuvens roxas começaram a surgir ao redor do mundo, e por onde elas passavam, a
desgraça vinha de carona. A população começou a ser atacada por monstros, os
vilarejos e cidades foram reduzidos à ruínas, e o medo começou a tomar conta de todos.
Shu é um garoto como outro qualquer: brincalhão, feliz e
muito apegado ao avô, que vive com ele em Talta Village, um vilarejo que
mais parece Tatooine, de Star Wars, do que o tipo de cidade que estamos
acostumados a ver em RPGs. O garoto, que tem menos de dez anos de idade, vê sua
vida mudar completamente quando as tais nuvens roxas começam a surgir trazendo consigo
um estranho ser, chamado pelos locais de Sand Shark, que acaba atacando e destruindo boa
parte de seu vilarejo. Corajoso e obstinado, o menino decide se unir a dois amigos,
Kluke e Jiro, para juntos derrotarem o monstro, sem saber que isso os colocaria no caminho de jornada de proporções épicas, já que o inimigo acabaria arrastando-os a um
lugar muito distante de sua terra natal.
O herói Shu |
Shu e seus amigos devem salvar o mundo das garras de Nene |
Blue Dragon possui uma narrativa simples, direta e sem
muitas reviravoltas. Com a ajuda de seus amigos, Shu deverá cruzar o mundo em
busca de sua salvação, enquanto investiga as razões do que está acontecendo.
Durante a jornada, o garoto conhece diversos aliados e inimigos, e passa por
diversas cidades completamente destruídas pela desgraça que assola aquele
lugar. Bastante influenciado por Dragon Quest, Blue Dragon também faz com que o
jogador salve de alguma situação difícil cada um dos lugares que conhece durante a aventura, o que dá
bastante senso de progressão ao enredo e traz satisfação a quem está jogando,
já que seus atos mudam completamente o destino cruel das localidades visitadas.
RPG de raiz
Talvez uma das maiores críticas feitas ao jogo na época em
que ele foi lançado foi a falta de ousadia da desenvolvedora ao elaborar a sua
jogabilidade. Blue Dragon segue à risca a cartilha dos RPGs mais tradicionais
do mercado, com um sistema de batalha por turnos e um gigantesco mundo aberto
que não pode ser explorado livremente graças ao enredo linear, que não permite que o
jogador faça o que quiser quando bem entender.
Blue Dragon possui muitas cidades para explorar |
O sistema de batalha do jogo consistia em lutas por turnos, em que a vez de cada personagem estava relacionada diretamente ao seu nível e
status. Ou seja, personagens mais rápidos podem realizar uma ação antes dos
menos favorecidos. O ponto mais inovador nesse sentido é que inimigos e aliados
atacavam alternadamente, não havendo turnos definidos por times, e sim por
personagens. Blue Dragon também contava com personagens especiais, que podem
ser comparados aos Summons, de Final Fantasy. Cada integrante do time possui uma
sombra azul em forma de um animal (Shu, por exemplo, possui um dragão, que dá
nome ao jogo), que pode aprender habilidades e fortalecer bastante os heróis. O jogador pode definir a especialidade de cada sombra, de tal forma
que os movimentos aprendidos vão de acordo com a especialidade escolhida. O sistema
lembra bastante o de Jobs, e as especialidades podem ser trocadas o tempo todo
para que as sombras aprendam o máximo de habilidades possíveis para combiná-las
em estratégias de batalha.
O sistema de batalha é tradicional e por turnos |
Quanto às passagens de exploração, o jogo é ainda mais
tradicional. Shu e seus amigos se movem por um gigantesco overworld e podem
entrar em vilarejos, florestas, cavernas e ruínas, e tudo é recheado de todos os outros clichês do
gênero. Durante o caminho o jogador é surpreendido por batalhas aleatórias que
concedem pontos de experiência e itens para ajudar no decorrer da jornada. Nas
cidades, Shu pode visitar hotéis, lojas e residências de habitantes para
progredir na história ou mesmo para realizar algumas missões extras bastante
simples.
Shu cruzará belas localidades para completar sua missão |
Apesar das críticas pesadas em cima do tradicionalíssimo
sistema de jogo, Blue Dragon conseguia unir todos os elementos clássicos do
gênero de maneira leve e agradável, se tornando um título bastante divertido e
prazeroso de ser jogado. A criação da Mistwalker é ainda mais admirável se
pensarmos que atualmente é muito difícil encontrarmos títulos que remetam aos
tempos de glória do gênero, já que hoje os RPGs japoneses são cada vez mais
escassos e sem graça.
Super Nintendo em alta definição
Blue Dragon é, até hoje, um jogo lindíssimo. Com gráficos
muito limpos, coloridos e detalhados, o mundo do jogo é exuberante e
encantador. A trilha sonora, composta por ninguém menos que Nobuo Uematsu
(Final Fantasy), e o trabalho de dublagem dão um toque de inocência e nostalgia
ao trabalho desenvolvido por Sakaguchi, que mais parece um jogo da era 16-bit, só que feito com a tecnologia de ponta dos consoles de alta definição.
Blue Dragon possui a alma dos RPGs da era 16-bit |
Toda a aventura, que dura cerca de 40 horas, é bastante
agradável e leve. Sem grandes dramas ou reviravoltas malucas. Blue Dragon é
sobre crianças salvando o mundo, e só. E talvez isso seja o que mais tenha
desagradado o público, que esperava algo muito mais complexo e adulto, como os
jogos da série Final Fantasy lançados no final da década de 1990, para PlayStation.
Uma aventura inesquecível
Revisão: Samuel Coelho
Capa: Sybellyus Paiva
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