A revolução casual
Como já foi discutido diversas vezes nesta coluna, os videogames sempre foram produtos de nicho, feitos para jogadores, e ninguém mais. Isso pode até fazer muito sentido, mas essa nunca foi a verdadeira intenção da maioria das empresas por trás da indústria dos videogames. A Nintendo, por exemplo, fazia questão de vender o NES como um sistema de entretenimento, não apenas um videogame ou um brinquedo. A Sony não demonstrava o PlayStation 2 apenas como um console moderno, mas como uma poderosa central de lazer, graças à compatibilidade com os então revolucionários e caros DVDs. Era necessário manter os velhos usuários (ou jogadores), no entanto, era importante atrair novos.
Olhando para trás, apenas três consoles foram realmente responsáveis pela expansão do público dos videogames: o NES, com suas exorbitantes 60 milhões de unidades vendidas; o PlayStation, que expandiu esse número para mais de 100 milhões, e o PlayStation 2, que atingiu mais de 150 milhões de unidades vendidas. Em todos esses três consoles, uma característica em comum: eles foram além do mais do mesmo tradicional da indústria.
As propagandas do NES diziam que ele era um sistema de entretenimento para toda a família. |
Olhando para trás, apenas três consoles foram realmente responsáveis pela expansão do público dos videogames: o NES, com suas exorbitantes 60 milhões de unidades vendidas; o PlayStation, que expandiu esse número para mais de 100 milhões, e o PlayStation 2, que atingiu mais de 150 milhões de unidades vendidas. Em todos esses três consoles, uma característica em comum: eles foram além do mais do mesmo tradicional da indústria.
Entretanto, será que algo realmente mudou do Magnavox Odyssey ao PlayStation 2? Na verdade não. Os jogos pouco mudaram, o público continuou o mesmo (homens com idade entre 10 e 30 anos) e a posição das fabricantes também se estagnou. Até que, em 2006, a Nintendo lançou o Nintendo Wii. Abrindo mão de avançados recursos tecnológicos, como uma boa GPU, em favor de estranhos controles sem fio recheados de sensores de movimento, a Nintendo deu um passo arriscado que representa simbolicamente uma mudança de perspectiva no mercado de videogames. Eles se tornaram acessíveis. Se antes muitas pessoas se sentiam intimidadas pela enorme combinação de botões apresentada na maioria dos jogos ou pela falta de identificação com os temas dos jogos – violentos ou infantis demais, com o Wii, bastava chacoalhar o controle durante uma sessão de yôga ou qualquer outro tipo de jogo que viesse à cabeça.
Para a Nintendo, estes eram os novos perfis dos jogadores. |
Essa mudança de filosofia foi completamente inesperada e surpreendentemente eficiente. Para Microsoft e Sony, apoiadoras do formato tradicional de videogame, o golpe soou como um soco no estômago. O Wii se mostrou um sucesso que rapidamente passou as concorrentes para trás. De nada adiantavam as especificações exorbitantes do Xbox 360 se um aparelho extremamente inferior tecnicamente era mais atrativo para a maioria dos consumidores.
Smartphones e jogos sociais: a ascensão dos novos jogadores
E isso foi apenas o começo. Com a introdução de milhares de pessoas a esse universo antes restrito aos geeks, outras empresas encontraram a oportunidade para lucrar. Foi o surgimento dos jogos sociais.
Os jogos sociais se tornaram um verdadeiro fenômeno no mundo todo, principalmente graças ao modelo de negócio que mescla o "free-to-play" com a interação entre os usuários. Se contarmos apenas no Facebook, que possui 1 bilhão de usuários, percebemos que a quantidade de potenciais jogadores é enorme, e que o Xbox 360 nunca esteve preparado para isso. Apesar do notável declínio nos últimos anos, esse formato de jogo ainda é extremamente rentável, principalmente por ter como público alvo qualquer tipo de pessoa, seja gamer ou não, e por envolver transações com dinheiro de verdade.
Por outro lado, empresas como a Apple acabaram entrando no mercado dos videogames sem querer. A Apple já distribuía jogos em seu iPod, a partir de 2006, mas os jogos disponíveis para o dispositivo em muito eram inferiores ao que era possível encontrar no Nintendo DS, por exemplo. Esse formato não era levado a sério. Mas tudo mudou com o lançamento do iPhone e de uma robusta App Store. A possibilidade de criar jogos em casa e distribuí-los digitalmente, aliada às capacidades técnicas de um aparelho que já era equivalente aos videogames portáteis do mercado foi um impulso mais que suficiente para estimular diversos desenvolvedores a dedicarem suas horas de trabalho ao pequeno telefone celular. Com bons games, o iPhone logo se tornou um dispositivo respeitável em relação aos jogos e diminuiu bastante o mercado de videogames portáteis. Em pouco tempo, outras empresas passaram a investir nesse mercado, como o Google e a própria Microsoft, que lançou o Windows Phone como forma de inserir seu popular sistema operacional também nos smartphones. Até o momento o Windows Phone não conseguiu destronar a Apple e já se fala que o modelo tradicional de consoles padece diante da possibilidade de jogar em qualquer lugar, seja no metrô, no Facebook ou no banheiro.
E o que isso tudo tem a ver com o Xbox 360? O fato é que jogos sociais e jogos de smartphones conseguiram atrair jogadores que a Microsoft, a Sony e até mesmo a Nintendo jamais foram capazes de atrair. Correr atrás dos prejuízos agora era uma meta para as três empresas.
Os jogos sociais se tornaram um verdadeiro fenômeno no mundo todo, principalmente graças ao modelo de negócio que mescla o "free-to-play" com a interação entre os usuários. Se contarmos apenas no Facebook, que possui 1 bilhão de usuários, percebemos que a quantidade de potenciais jogadores é enorme, e que o Xbox 360 nunca esteve preparado para isso. Apesar do notável declínio nos últimos anos, esse formato de jogo ainda é extremamente rentável, principalmente por ter como público alvo qualquer tipo de pessoa, seja gamer ou não, e por envolver transações com dinheiro de verdade.
Farmville é mais uma das experiências que não podiam ser reproduzidas no Xbox 360. |
Por outro lado, empresas como a Apple acabaram entrando no mercado dos videogames sem querer. A Apple já distribuía jogos em seu iPod, a partir de 2006, mas os jogos disponíveis para o dispositivo em muito eram inferiores ao que era possível encontrar no Nintendo DS, por exemplo. Esse formato não era levado a sério. Mas tudo mudou com o lançamento do iPhone e de uma robusta App Store. A possibilidade de criar jogos em casa e distribuí-los digitalmente, aliada às capacidades técnicas de um aparelho que já era equivalente aos videogames portáteis do mercado foi um impulso mais que suficiente para estimular diversos desenvolvedores a dedicarem suas horas de trabalho ao pequeno telefone celular. Com bons games, o iPhone logo se tornou um dispositivo respeitável em relação aos jogos e diminuiu bastante o mercado de videogames portáteis. Em pouco tempo, outras empresas passaram a investir nesse mercado, como o Google e a própria Microsoft, que lançou o Windows Phone como forma de inserir seu popular sistema operacional também nos smartphones. Até o momento o Windows Phone não conseguiu destronar a Apple e já se fala que o modelo tradicional de consoles padece diante da possibilidade de jogar em qualquer lugar, seja no metrô, no Facebook ou no banheiro.
A popularidade dos smartphones levou os videogames às mãos de pessoas que não se interessavam em consoles portáteis. |
E o que isso tudo tem a ver com o Xbox 360? O fato é que jogos sociais e jogos de smartphones conseguiram atrair jogadores que a Microsoft, a Sony e até mesmo a Nintendo jamais foram capazes de atrair. Correr atrás dos prejuízos agora era uma meta para as três empresas.
O Project Natal quebra o maior paradigma dos videogames
Para responder a todas essas ofensivas, a Microsoft preparava algo grande. Conhecido apenas como Project Natal, o periférico que iria "revolucionar a forma como jogamos" foi preparado não apenas para impedir o crescimento constante do Wii, como também para mostrar que a empresa de Redmond também sabe inovar.
Tudo começou quando o diretor de incubação do Xbox, Alex Kipman, reuniu um pequeno time para iniciar o desenvolvimento de alguma possibilidade de interação com os jogos que estivesse a altura do Wii Remote. A ideia era criar um dispositivo que não apenas pudesse reconhecer os movimentos do corpo, como também a voz, tornando o padrão da Nintendo completamente obsoleto. O nome do projeto, Natal, foi escolhido por Kipman, que é natural do Brasil e se declara apaixonado pelas praias do Nordeste. O nome também é inspirado pelo significado da palavra natal, "nascer" em latim.
Em 2008, a Microsoft adquiriu um chip da empresa israelense PrimeSense. O chip foi desenvolvido utilizando uma tecnologia da empresa que possibilita às câmeras a possibilidade de observar os objetos em três dimensões, exatamente como faz o olho humano. Esse chip pode ser considerado como a base do então Project Natal, e foi o primeiro passo para uma jogabilidade sem controles. Mas as coisas não pararam por aí. Apesar de funcional, o chip da PrimeSense era ineficiente na captura de movimentos do corpo humano. Para isso, Andrew Blake e Jamie Shotton desenvolveram um algoritmo capaz de permitir que o dispositivo rastreasse partes específicas do corpo humano sem se confundir pelos rápidos movimentos ou mudanças na aparência.
Para finalizar, o Project Natal só precisava reconhecer a voz. E nessa parte, uma velha tecnologia da Microsoft foi empregada. A mesma tecnologia de reconhecimento de voz empregada no Ford Sync – utilizada para controlar as músicas – foi aproveitada no novo dispositivo.
Após diversos rumores, a Microsoft confirmou a existência do Project Natal, que foi renomeado para Kinect. O novo dispositivo tinha a mesma proposta do Nintendo Wii: oferecer jogos diversos que utilizassem o movimento do corpo, bem como comandos de voz. Encarregada pelos jogos estava a Rare, antiga parceira da Nintendo. A Rare iniciou o desenvolvimento de diversos jogos que mais tarde se tornariam ícones do dispositivo, como Kinect Sports e Kinect Adventures!.
Com o Kinect, a Microsoft queria atrair os não-jogadores, assim como a Nintendo. O diferencial estava na completa ausência de controles, uma tecnologia impressionante e muito divertida que chamou a atenção até pessoas de fora da indústria dos videogames. Os jogos esportivos ganharam capacidades extras, os de ritmo ficaram muito mais livres e apenas falar para realizar comandos dentro dos jogos fez com que muitas pessoas deixassem o Wii Remote de lado.
O Kinect foi lançado em 4 de novembro de 2010, custando 149 dólares americanos. O sucesso foi imediato, alcançando 8 milhões de unidades vendidas ainda nos sessenta primeiros dias e se tornando o dispositivo eletrônico que vendeu mais rápido na história, segundo o Guiness Book. As vendas apenas demostraram que a Microsoft havia feito as apostas corretas, e estava pronta para colher os frutos do sucesso.
Tudo começou quando o diretor de incubação do Xbox, Alex Kipman, reuniu um pequeno time para iniciar o desenvolvimento de alguma possibilidade de interação com os jogos que estivesse a altura do Wii Remote. A ideia era criar um dispositivo que não apenas pudesse reconhecer os movimentos do corpo, como também a voz, tornando o padrão da Nintendo completamente obsoleto. O nome do projeto, Natal, foi escolhido por Kipman, que é natural do Brasil e se declara apaixonado pelas praias do Nordeste. O nome também é inspirado pelo significado da palavra natal, "nascer" em latim.
O brasileiro Alex Kipman ficou encarregado de trazer a jogabilidade por movimentos para o Xbox 360. |
Em 2008, a Microsoft adquiriu um chip da empresa israelense PrimeSense. O chip foi desenvolvido utilizando uma tecnologia da empresa que possibilita às câmeras a possibilidade de observar os objetos em três dimensões, exatamente como faz o olho humano. Esse chip pode ser considerado como a base do então Project Natal, e foi o primeiro passo para uma jogabilidade sem controles. Mas as coisas não pararam por aí. Apesar de funcional, o chip da PrimeSense era ineficiente na captura de movimentos do corpo humano. Para isso, Andrew Blake e Jamie Shotton desenvolveram um algoritmo capaz de permitir que o dispositivo rastreasse partes específicas do corpo humano sem se confundir pelos rápidos movimentos ou mudanças na aparência.
A tecnologia da PrimeSense garantiu super poderes ao Project Natal. |
Para finalizar, o Project Natal só precisava reconhecer a voz. E nessa parte, uma velha tecnologia da Microsoft foi empregada. A mesma tecnologia de reconhecimento de voz empregada no Ford Sync – utilizada para controlar as músicas – foi aproveitada no novo dispositivo.
Após diversos rumores, a Microsoft confirmou a existência do Project Natal, que foi renomeado para Kinect. O novo dispositivo tinha a mesma proposta do Nintendo Wii: oferecer jogos diversos que utilizassem o movimento do corpo, bem como comandos de voz. Encarregada pelos jogos estava a Rare, antiga parceira da Nintendo. A Rare iniciou o desenvolvimento de diversos jogos que mais tarde se tornariam ícones do dispositivo, como Kinect Sports e Kinect Adventures!.
Microsoft e Rare repetiram a mesma fórmula do Wii Sports no Kinect. |
Com o Kinect, a Microsoft queria atrair os não-jogadores, assim como a Nintendo. O diferencial estava na completa ausência de controles, uma tecnologia impressionante e muito divertida que chamou a atenção até pessoas de fora da indústria dos videogames. Os jogos esportivos ganharam capacidades extras, os de ritmo ficaram muito mais livres e apenas falar para realizar comandos dentro dos jogos fez com que muitas pessoas deixassem o Wii Remote de lado.
O Kinect foi lançado em 4 de novembro de 2010, custando 149 dólares americanos. O sucesso foi imediato, alcançando 8 milhões de unidades vendidas ainda nos sessenta primeiros dias e se tornando o dispositivo eletrônico que vendeu mais rápido na história, segundo o Guiness Book. As vendas apenas demostraram que a Microsoft havia feito as apostas corretas, e estava pronta para colher os frutos do sucesso.
O sucesso do Kinect superou até a mais otimista das expectativas. |
Um dispositivo além dos videogames
Se engana quem pensa que o Kinect ficou restrito a experiências como Just Dance 3. O dispositivo recebeu diversos hacks que expandiram suas capacidades para além dos videogames, envolvendo a robótica, a arqueologia e até mesmo a medicina.
Na área da robótica, um ótimo exemplo vem da empresa NSK, que desenvolveu um cão-guia robô. O robô utiliza o Kinect para mapear o ambiente e permitir que o cão possa guiar pessoas cegas, uma tecnologia que pode ser aperfeiçoada mais ainda.
O robô da NSK é apenas um dos hacks criativos do Kinect. |
E por falar em mapeamento, algumas pessoas rapidamente perceberam o potencial do dispositivo nessa tarefa e passaram a utiliza-lo. Na arqueologia, o Kinect pode ser utilizado para mapear sítios arqueológicos substituindo alternativas bem mais caras.
Por fim, a medicina recebeu uma grande ajuda do aparelho. Entre as diversas utilizações nessa área, sem dúvidas as cirurgias se destacam. Em algumas cirurgias são utilizados certos "joysticks", que são manipulados pelos cirurgiões em operações que utilizam câmeras e bisturis eletrônicos. E é justamente aí que o Kinect entra. Oferecendo uma precisão bem maior, os médicos podem simplesmente substuir os manetes pelo aparelho e reduzir bastante as chances de erros.
O verdadeiro sistema de entretenimento
Quando Alex Kipman afirmou em uma entrevista para uma famosa revista brasileira que seu foco, e o de sua equipe, era "transformar o social gaming e o entretenimento para sempre", pouca gente realmente o levou a sério. Também pudera, esse tipo de promessa é feita há muito tempo e jamais havia sido totalmente cumprida. Até então.
Com o Kinect, a Microsoft finalmente pôde experimentar a possibilidade de atrair públicos completamente diferentes para um mesmo dispositivo. O Xbox 360 não era mais um console de nicho feito para garotos adolescentes, era um sistema pronto para todas as pessoas e deveria ser algo essencial na sala de estar. Jogos como Michael Jackson: The Experience e Sesame Street: Once Upon a Monster possuíam seu papel em atrair crianças, jovens, adultos e idosos para o console, mas não eram o suficiente.
O verdadeiro sistema de entretenimento deveria ser capaz de manter as pessoas entretidas mesmo quando elas não estivessem jogando. Daí surgiram os serviços que hoje são completamente essenciais no Xbox 360, como o Netflix, o Hulu Plus e o novíssimo Xbox Music, por exemplo.
Todos esses serviços foram adicionados ao poderoso Xbox Live ao longo dos anos, muitos deles antes mesmo da concepção do Kinect, e todos eles fazem do Xbox 360 uma máquina completa. E os serviços não param de chegar. O Internet Explorer e o SmartGlass, por exemplo, só provam que o céu é o limite. Mas isso é um assunto para outra ocasião.
O Kinect foi apenas o início. A Microsoft continua criando novas formas de interação entre as pessoas e o Xbox. |
Você deve agora estar pensando: mas e os jogos? Bem, eles ainda são a parte principal de um console e nesse aspecto o Xbox 360 é (quase) impecável. Com o Xbox 360, a Microsoft conquistou a atenção das desenvolvedoras orientais e manteve as ocidentais sob sua asa, fazendo forte concorrência ao PlayStation 3 e ao Nintendo Wii. E esse é o assunto do próximo Xbox Chronicle. Até lá!
Xbox Chronicle #1: O controverso nascimento de uma gigante
Xbox Chronicle #2: A Microsoft investe no setor de videogames
Xbox Chronicle #3: Construindo o console dos sonhos
Xbox Chronicle #4: Os jogos demonstram o verdadeiro poder do Xbox
Xbox Chronicle #5: Conectando os jogadores com o Xbox Live
Xbox Chronicle #6: O Xbox chega à nova geração
Xbox Chronicle #7: Inicia-se a era da alta definição – que venha o Xbox 360
Xbox Chronicle #8: Por dentro das especificações do Xbox 360
Revisão: Ramon Oliveira de Souza
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